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Caídas do céu
Tipo de projeto
Instalação (80 x100)
Data
2024
Autor
Alfredo Luz
Prendulários ou a resistência da memória (O realismo mágico em Alfredo Luz)
Texto de Nuno Rebocho
Todo o discurso sobre o real é um juntar de cacos, reunião de fragmentos
que os sentidos e a mente recolhem nas suas jornadas. Por isso é que toda a
leitura e teoria reordenam o caos. Eis o que vos é dito aqui nas telas de
Alfredo Luz, com a sua batalha dele com a memória, feita com a heroicidade
dos gestos ternos, com a tranquila ironia de quem, agarrado ao campo, não
desiste do cordão umbilical, da armação da sua consciência e coerência. Ao
contrário do que aparenta, não é um magrittiano: porque não é um pintor
urbano e de interioridades, crítico amargo-jocoso das verdades
convencionadas que recorre ao surreal para confrontar o homem com as frágeis
certezas suas. Alfredo Luz percorre diferenças que, recordando embora o
belga, desaguam noutras águas.
Olhai as cores baças de Luz: são cores da memória. Da memória que consigo
traz, os fragmentos do seu ruralismo irredento a larvar no caldo cultural da
urbe que o acolhe e intenta tripudiar. A pintura de Luz é um modo de
resistência: paisagens que se refazem nas imagens justapostas, que constroem
o seu mundo com imagens a partir das cores telúricas a projetar para a mente
uma agressiva suavidade feita de carinhos por um espaço que foi seu, o qual,
por ter sido perdido, foi reencontrado. É o imagético do migrante, do
campesino que a vida (o homo aeconomicus) converteu em urbano. Mas que se
mantém atilhado pelas mágicas dos ciclos da natureza e que por elas fala: se
o discurso urbano é feito de frases, o campesino é feito de imagens. Duas
vivências, dois modos de estar, dois discursos, dois tempos.
O que é notável: há anos que o pintor refaz este itinerário, outro
indicador da sua cultura de resistência. Sobre os fundos nebulosos,
amachucados de manchas, de indefinições de cor, revelam-se as formas
rigorosas, as imagens fragmentadas e herdadas, conservadas pela persistente
memória – o discurso da reminiscência. O discurso que é a medida do homem,
da sua leira, do seu canto, do seu recanto, dos instrumentos do seu
trabalho, das árvores residuais, do sentir na terra e com a terra, da
natureza que recusa sucumbir. Olhai. A arte de Alfredo Luz é a memória dos
olhares.
Prendulários: de prendas se fala. De prendas que são gestos e são dádivas,
são relações entre pessoas, são conjugações e entrelaçares de vidas, são
trocas de memórias e de imagens, são casamentos de seivas. São discursos
complexos estribados na simplicidade dos processos, na enorme e estranha
riqueza do simples. Tudo isto faz a força da pintura e da sua diferença -
aquela diferença que distingue uma expressão de outra, que define e
caracteriza uma arte.